Por que os adultos falam tão mal da nova geração?
Uma enxurrada de comentários me fez investigar os motivos psicológicos e sociais por trás de um fenômeno que é tão antigo quanto a própria humanidade: achar que "os jovens de hoje" não têm nada na cabeça.
Recentemente, postei um vídeo nas minhas redes sociais. Era uma entrevista com crianças em 1966, pedindo palpites sobre como seria o ano 2000, e viralizou tanto no Tiktok (com 700 mil visualizações) quanto no Instagram (com mais de 3 milhões de visualizações). E com isso, vieram os comentários. Muitos comentários.
Deles, sempre esperamos o pior. Mas teve algo de surpreendente nesses: a maioria tocava num assunto que pouco tinha a ver com o vídeo em si. Uma torrente de comentários demolindo crianças e adolescentes dos dias de hoje, quase sempre as chamando de "burras", "alienadas" ou simplesmente incapazes de formular opiniões coesas.
Veja bem: eu, millennial que sou, já fiz piadinhas sobre a Geração Z, TikTok, dancinhas e afins. Quem já passou dos trinta e nunca fez que atire a primeira pedra. Ainda assim, fiquei espantada com a quantidade e principalmente com o teor extremamente agressivo dos comentários, o que foi um disparador para pesquisar um pouco mais sobre esse desprezo das gerações anteriores pelos jovens, e tentar entender o que há por trás disso.
Nada original
A primeira descoberta: nada disso é novidade. Para a tristeza dos autores dos comentários, que obviamente estavam se congratulando pelo seu senso crítico apurado, a Geração Z não foi a primeira e nem será a última geração a passar por isso.
Temos registros de adultos resmungões taxando os adolescentes de suas respectivas épocas de burros ou preguiçosos desde que a humanidade inventou a escrita — e com certeza isso já acontecia antes, só não restaram vestígios. Inclusive, Cort Rudulph, professor de psicologia da Saint Louis University, fez um estudo completo copilando os diversos exemplos de críticas a crianças e jovens ao longo da história.
Já começo com exemplo da Grécia Antiga. Há quase dois mil anos, Sêneca, o Velho, pregou que
"os jovens estão cada vez mais preguiçosos. Seus talentos permanecem intocados, e não há sequer uma ocupação honorável com a qual ocupem suas noites ou dias.”
Para os comentaristas raivosos do vídeo, os nossos jovens estão corrompidos pelas facilidades do mundo moderno, principalmente a internet e as redes sociais. Nenhuma novidade aí: cada época encontra sua "novidade" para culpar pela decadência dos jovens. Até o livro, hoje tão prestigiado, já foi vilão. Em 1790, o reverendo Enos Hitchcock escrevia:
“O livre acesso dos jovens aos livros de ficção e às peças de teatro envenenou suas mentes e corrompeu sua moral…”
(Memoirs os the Bloomsgrove Family, Reverend Enos Hitchcock, 1790).
Ou seja, cada época terá seus bodes expiatórios. Se hoje os dedos apontam para o TikTok e as dancinhas, um artigo de 1858 na Scientific American dizia que o problema eram os “clubes de xadrez, esse passatempo de caráter inferior que rouba a mente de tempo precioso”; em 1938, o Kirkintilloch Herald destacava como “diante de distrações como o cinema” era difícil interessar jovens por política.
Uma das críticas principais de nossos raivosos comentaristas é a suposta a falta de eloquência dos jovens, ou nas palavras deles mesmos: “Um jovem hj em dia não tem capacidade de dissertar como estas crianças …São um bando de mongoloide dançando tik tok e não sabem nada (sic)”. Aqui, mais uma vez, nada de original. Um artigo do Gloucester Citizen de 1936 já dizia que
“…(os jovens) parecem incapazes de se expressar ou se fazer entender. Eles não conseguem formular seus pensamentos em palavras, e apresentam as mesmas dificuldades na hora de escrever”
(Unable to Express Thoughts: Failing of Modern Young People, Gloucester Citizen, 1936).
Até mesmo a geração de crianças do vídeo, tão elogiadas, que cresceram nos anos de 1950–60, não foram poupadas de críticas no seu tempo. Um artigo no Falkirk Herald, publicado em 1951, destacou que “Muitos (jovens) são tão mimados nos dias de hoje que esquecem que existe uma coisa chamada caminhar, e automaticamente vão pegar ônibus” (Scottish Rights of Way: More Young People Should Use Them, Falkirk Herald, 1951).
Portanto, diminuir a geração seguinte é um fenômeno recorrente, que se repete século após século, desde que o mundo é mundo. Mas se fizermos uma análise bem objetiva, não dá para acreditar que cada nova geração é pior que a anterior. Tudo que a humanidade construiu até hoje, todos nossos avanços nos campos da ciência, da medicina, das artes, da engenharia, tudo isso foi feito por gerações que foram criticadas pela geração anterior. Se, de fato, estivéssemos piorando a cada nova leva de humanos, estaríamos empacados há milênios, contemplando talvez as pirâmides ou feito anterior, sem saber muito bem o que fazer. Se, de fato, estivéssemos piorando a cada geração, jamais teríamos progredido em tantos campos.
Pensando nisso, uma pergunta não pára de martelar na minha cabeça: por que o ser humano tem essa necessidade intrínseca de diminuir a geração seguinte? Por que ao longo de todos esses séculos os adultos repetiram seus mantras sobre “os jovens de hoje”?
Encontrei algumas pistas que podem ajudar a responder essa pergunta.
Questão 1 — um vício na amostragem
O problema mais óbvio: a questão da amostragem. Para cada dez adultos raivosos espumando pela boca, aparecia um — esse sim, com um convívio cotidiano com adolescentes e crianças — colocando em xeque essa visão reducionista da geração seguinte.
Não foram poucos os professores expondo que dão aulas a jovens inteligentes e articulados, muito diferentes daquele retrato bidimensional de adolescente alienado que estava sendo pintado. Além disso, alguns dos comentários mais bem escritos eram justamente de adolescentes, contradizendo a ideia de que eles são incapazes de formular ou expressar ideias complexas.
É comum que nossa visão de mundo seja guiada pelos exemplos que temos à disposição, mas precisamos lembrar que em geral nossa amostragem não dá conta do todo. Por exemplo, imagine um adulto que tem contato com poucas crianças ou adolescentes. Talvez ele veja com frequência jovens influencers do TikTok, engajados em dancinhas. Mas, com certeza, para cada adolescente fazendo coreografias online, existem vários outros interessados em outros assuntos — eles só não ganham a mesma visibilidade. E mesmo se pensarmos nos que gostam de fazer dancinhas, será que aquilo corresponde mesmo à totalidade da sua personalidade? Ou é apenas a fração à qual aquele adulto tem acesso?
Baseado nessa visão estreita da realidade, essas pessoas concluem que necessariamente todos os jovens "só pensam em fazer dancinhas do TikTok" e outras futilidades.
Existe um caso emblemático que retrata muito bem essa situação. Em 2009, o autor Ira S. Wolfe escreveu o livro “Geeks, Geezers and Googlization”, que basicamente tecia uma série de críticas aos millennials, retratados na obra como preguiçosos, infantilizados e burros. Contudo, nos anos seguintes à publicação, Wolfe viveu uma experiência nova: passou a conviver com pessoas da geração que ele demoliu. Passou a ouvir aqueles jovens, que ele rotulou de moles e mimados, falando sobre como estavam mantendo múltiplos empregos para conseguirem pagar os estudos, ou sobre seus esforços para abrir a própria empresa. Esse contato fez o autor mudar de opinião, dando várias entrevistas sobre o assunto e se auto-intitulando um “ex-crítico de millennials”.
Questão 2 — Rupturas e autoafirmação
Talvez esse seja o ponto mais complexo e um pouco filosófico.
Primeiro: o óbvio. As ações e crenças de cada geração são diretamente influenciadas pelos desafios específicos que ela encontra, e isso vai gerar mudanças profundas nas prioridades e valores de cada uma. Ou seja, nem sempre o que uma geração considera importante será para a seguinte. E essas transformações tendem a gerar desencontros entre os mais velhos e os mais novos.
Se nossa sociedade se modifica de forma cada vez mais acelerada, esse abismo entre as gerações será cada vez maior. Podemos citar alguns exemplos práticos. Uma é a relação com a tecnologia: se por um lado as gerações anteriores cresceram sem as facilidades do acesso à internet e aos smartphones, por outro sequer imaginam a pressão de atravessar a puberdade em tempos de redes sociais. Outro ponto de contenção atual é a crescente preocupação das gerações mais jovens com pautas sociais e ambientais, que os mais velhos não procuram compreender, dispensando imediatamente esses novas prioridades com o pejorativo "mimimi".
Cada geração também tem sua maneira específica de lidar com questões. “As gerações anteriores foram ensinadas a reprimir ao invés de expressar”, explica o Doutor Carl Nassar, da LifeStance Health. “Isso causou um abismo geracional, com os mais velhos vendo essa expressão como fraqueza, já que foram ensinados que a vulnerabilidade é fraqueza e não força”.
Em resumo: grande parte da leitura que os adultos fazem dos adolescentes parte de uma visão enviesada, contaminada por duas leituras de mundo completamente diferentes.
Como humanos, esperamos que os mais jovens sejam nossa continuidade. Que eles carreguem exatamente os mesmos valores e tradições que valorizamos. Que tenham a mesma visão política, as mesmas causas, os mesmos propósitos. Porém, isso é inviável. As novas gerações trarão consigo mudanças, ainda que isso doa a quem veio antes.
“Quando você diminui as crianças — quando você diz que elas não estão à altura das gerações anteriores — parte de você está dizendo ‘Essa criança não pode me substituir. Essa criança não é boa o suficiente para me substituir. Eu sou insubstituível.’”
Parte da rejeição ao novo surge de nossas fraquezas humanas: o medo de envelhecer, e mais a fundo, o medo da mortalidade. Nas palavras do professor Andrew Rabin, da Universidade de Louisville: “Quando você diminui as crianças — quando você diz que elas não estão à altura das gerações anteriores — parte de você está dizendo ‘Essa criança não pode me substituir. Essa criança não é boa o suficiente para me substituir. Eu sou insubstituível.’”
Questão 3 — a memória como ilha de edição
O poeta Waly Salomão já dizia: “A memória é uma ilha de edição”.
“Parece que existe um problema nas nossas memórias”, explicou John Protzko, da University of California Santa Barbara. O pesquisador publicou um artigo na Science Advances no qual ele analisa como um “tique” da nossa memória altera a forma como percebemos os adolescentes e as crianças.
Em resumo: nossa memória é incapaz de lembrar das coisas como elas aconteceram de fato. Ao invés disso, ela é editada a partir de fragmentos de informação que temos nas nossas mentes.
Um resultado disso é um viés chamado “presentismo”. Isso ocorre quando completamos uma lembrança do passado com informações do presente. Na prática: como não conseguimos lembrar em detalhes como eram os adolescentes ou as crianças na “nossa época”, nossa memória atribui nossas características presentes às nossas versões mais jovens. Em outras palavras, tendemos a superestimar a maturidade e inteligência das crianças do passado.
Esse fenômeno também foi pesquisado por Peter O’Connor, professor no Queensland Institute of Technology, na Australia. Em uma parte de seu estudo, ele comprovou que quando adultos eram induzidos a acreditar que eles mesmos não eram cultos se comparados à média da população, eles avaliavam de forma menos rigorosa as crianças.
Questão 4 — diferenças naturais da idade
Finalmente, cabe lembrar que muitas das características "negativas" atribuídas às crianças e aos adolescentes são naturais dessas faixas etárias. Por exemplo, adolescentes tendem a ser mais egocêntricos e irresponsáveis, se comparados a adultos. Isso é uma etapa normal do desenvolvimento humano, mas que pode ser lido de forma distorcida.
Na verdade, existem poucos estudos sérios que comprovem sequer a existência de gerações. Isso porque um estudo desse tipo seria muito complicado: seria necessário conduzir uma avaliação com um grupo significativo de pessoas, nascidas em diferentes épocas, durante um longo período de tempo. Seria crucial isolar três variáveis: efeitos geracionais (ano em que a pessoa nasceu), efeitos históricos (acontecimentos específicos que afetaram a todos que estavam vivos em determinado período, independente da idade) e efeitos da idade (mudanças naturais que ocorrem em todos seres humanos com o passar dos anos). E um estudo desse tipo nunca foi realizado, o que significa que a princípio todo debate em torno de gerações como Baby Boomers, Millennials e Geração Z tem pouco resguardo acadêmico. Alguns pesquisados brincam, inclusive, que essas divisões seriam como os signos na Astrologia, meramente grupos abrangentes e genéricos com os quais as pessoas gostam de se identificar.
A pior geração?
Eu não estou tentando provar, com isso tudo, que as gerações necessariamente estejam melhorando, ou que não podemos criticar as gerações seguintes. Mas também não acredito que a geração que está vindo aí é significativamente pior que a minha, ou que qualquer outra. Até porque uma geração é um grupo imenso de pessoas, e entre elas sempre haverá algumas mais eloquentes outras com dificuldade de se expressar, algumas motivadas e outras desmotivadas, algumas fúteis, algumas cultas, e mesmo todas essas características são extremamente subjetivas.
O que quero apontar é que é um equívoco generalizar todo um grupo de pessoas, e principalmente tentar julgar uma nova geração pelos parâmetros e valores de décadas anteriores.
No fim das contas, refletindo sobre os comentários raivosos na minha postagem, concluí que eles diziam muito mais a respeito dos adultos resmungões por trás das críticas do que sobre os adolescentes que eles estavam mirando. Isso porque, cada vez que diminuímos ou generalizamos esses jovens — e aqui, eu me incluo — estamos deixando transparecer a nossa própria dificuldade de nos adaptar aos novos tempos e, quase paradoxalmente, nosso pavor de nos tornarmos obsoletos.
E como afirmei lá no comecinho: a Geração Z não foi a primeira e nem será a última geração a passar por isso. O que significa que daqui há uns anos, esses mesmos jovens que estão sendo alvejados agora estarão reclamando das crianças de seu tempo, taxando-as de “fúteis”, “egoístas” ou “burras”. E assim caminha a humanidade.